terça-feira, 5 de março de 2019

VENEZA E OS LABIRINTOS DA PAIXÃO - PARTE 1

A consolidação da Nova Era é coroada pelas mãos entrelaçadas dos enamorados que não mais vivem a cultura do sorriso DaVinciano ou do anel de ouro envolto no dedo anelar.
O Sagrado e o Profano se misturam em êxtase celebrando mais uma flecha que acaba de ser atirada, e mais um, dois, três ou mais corações dançam em conjunto o ritmo do amor.






Eu não via absolutamente nada, as luzes lá embaixo sinalizavam algumas pistas do que viria a seguir e o relógio anunciava um novo dia.
Eram exatamente meia noite quando o avião aterrisou na estonteante Veneza. Nosso anfitrião estava a nos esperar e passar algumas informações sobre aquela cidade aparentemente adormecida pelos feixes de luz lunar que cintilavam aquele céu escuro. Sua aparência me remetia o império Mouro e sua fala relaxante nos aconchegava como um abraço de vó. Seu entusiasmo ao nos contar histórias era tamanho que nos perdemos no tempo e nos lançamos tarde da noite ou cedo do dia a apreciar pela varanda do apartamento a indescritível morada dos apaixonados.
A manhã se espreguiçava e nosso bocejo só não era mais audível porque o galo cantava  e anunciava mais um dia. Os raios de sol adentravam pelas frestas da janela e como em um filme estilo '' sessão da tarde'' empurrei as portas da sacada como se estivesse conduzindo uma orquestra e ali respirei fundo e deixei o ar passear pelos meus pulmões. O ar veneziano era uma mistura de água do mar e molho de tomate rústico, fazendo com que minha viagem se tornasse muito mais familiar .
O cheiro de comida exalava forte e minhas lombrigas  começavam a saltitar. Já passavam das doze quando pisamos pela primeira vez na histórica Venezia. A cidade nos "estendia suas mãos" e nos abria as portas para que nela desfrutássemos o seu mais puro néctar da perdição.
A primeira vista ela não era tão atraente assim, me parecia mais uma ilha como tantas outras a conhecer mas algo em minha mente dizia que meus olhos seriam pequenos demais para o show que eu ali assistiria. A fome começava a apertar e por um momento caminhamos rápido para saciar a nossa vontade porém algo nos fez parar e esquecer aquela faminta tormenta; era a Tarantella e toda uma infância que se pintava em minha pouca memória. Era sua força maior que nos estagnava e ao mesmo tempo fazia a mim, ao Ed e a cada turista que ali estava balançar o corpo e bater as palmas das mãos como em um mantra sagrado. Os assovios e gritos de "BRAVO" se misturavam a uma nova música e com ela caminhamos lentamente por aquela rua antiga deixando para trás a musicalidade sorridente daquele quarteto Italiano.








Seguindo o caminho do descobrimento há poucos metros de nós a sua magia começava a se apresentar e com ela a fantasia dos carnavais veneziano e seus bailes de máscaras. Eram lojas e mais lojas que nos faziam acreditar que a qualquer momento seríamos levados para dentro dos grandes salões e reunidos com a nobreza do século XVIII dançaríamos celebrando a vida . O simples ato do colocar das máscaras em nossas faces nos abriu um portal mágico e com essa atmosfera continuamos a nossa peregrinação rumo ao sacro-profano amor.
Foram algumas horas de caminhada, nossos corpos se perdiam entre as ruas que muitas vezes desembocavam em algum canal, em alguma rua sem saída ou até mesmo nos levavam até casais apaixonados que também perdidos caiam em tentação e se beijavam calorosamente entregues ao profano amor. Se perder era a melhor parte do passeio. Nos perdíamos entre conversas jogadas fora, nos perdíamos no compasso dos nossos passos, nos perdíamos no tempo, entre as arquitetura das igrejas, entre os abraços fortes e o gosto dos lábios, nos perdíamos tentando encontrar o que não estava disponível aos olhos nú....a energia do amor.










Entre ruas e canais, olhares e carinhos voltamos para o estado normal e seguimos o fluxo que nos levou até o cartão postal da cidade, a Praça de São Marcos e seus famosos pombos. Aquela hora não estava irradiando muito sol e assim consegui ver nitidamente, como se meus olhos fossem uma lente fotográfica, cada detalhe daquela praça sem o verde das árvores mas tão inspiradora pelos seus edifícios cinzentos que a cercava. Os pombos eram um espetáculo a parte e sem eles o charme se converteria em vazio. Andamos vagarosamente por aquele grande espaço a céu aberto e só paramos quando ao olharmos para o lado esquerdo dos nossos corpos avistamos a histórica Torre do Relógio. Os signos do zoodíaco em conexão aos números romanos que anunciavam as horas nos lembrou que nossas lombrigas já haviam passado dessa para melhor e que a hora de nos mantermos vivos havia chegado.









O nosso cardápio já estava decidido desde as primeiras horas da manhã, porém diante de tantas opções pedi que os Santos que ali estavam nos intuisse para achar o local certo. Fomos levados por entre ruelas e becos até decidirmos entrar em uma cantina pequena mas com um aroma inconfundível; era molho de tomate com manjericão. Nos sentamos e deixei que minha infância pedisse por mim o macarrão a pomodoro... e viajei, viajei longe lembrando das minhas brincadeiras na casa da avó da Bruna, minha vizinha, e daquela italianada reunida comendo o macarrão feito por suas já envelhecidas mãos. O toque da mãozinha do Miguel em mim acompanhado do olhar cúmplice do Ed me fez ter o poder de parar o tempo e me dedicar exclusivamente áquela cena; desmanchada segundos depois pelo meu olfato que avisava sobre o grand finale do dia.
O garçom lembrava o personagem principal do filme "A Vida é Bela", seu jeito simples, divertido e cuidadoso nos deixou ainda mais a vontade naquele fim de tarde. Os pratos já estavam sobre a mesa e o Miguel não esperou muito para colocar em sua pequena boca aquela grande colherada, o Ed iniciou uma conversa rápida com o garçom e eu estática e cheia de saliva esperei a hora certa de finalmente apreciar uma história. Peguei meus talheres, respirei fundo, fechei meus olhos e comi... abri meus olhos e um minuto havia se passado mas uma história havia sido vivenciada ali, em Veneza, naquela pequena cantina, observada carinhosamente pelos olhos atentos dos meus amores e do garçom e sem medo deixei que lágrimas escorressem por minha face, era um passado que não volta, era a lembrança da macorronada da minha vizinha, era a voz da minha avó a me chamar para voltar para casa. Uma simples macarronada foi o suficiente para que o restante da viagem se tornasse ainda mais especial.









A tarde caia e logo a lua brilharia no céu. Fizemos nosso percurso de volta e antes de sair da cidade e retornar para nosso cantinho olhamos para trás e agradecemos pelo dia, pelas emoções vivenciadas, pelos gestos de amor, pela nossa história e pelo amor que sustenta o mundo. Entramos no ônibus e sentada na janela dei até logo a Venezia e entreguei a ela o meu dia de amanhã.










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