domingo, 9 de julho de 2017

SACHSENHAUSEN... O GRITO PELA LIBERDADE

As muralhas que nos aprisionam podem ser as mesmas a nos libertar.
Nas andanças pelo mundo percebi que nenhum fuzil é capaz de calar a boca de um povo, mas o silêncio oriundo de uma barbárie nos emudece pelo resto da existência.




O dia começou cinzento, levantamos cedo e partimos em busca de uma experiência que eu achei que seria inesquecível, engano meu....ela foi surreal!!!
A única coisa que eu sabia é que havia um campo de concentração em uma cidade chamada Oraniemburg e que ficava há aproximadamente 35 kilometros de Berlim. Deveríamos pegar o metrô, descer na última estação, pegar um ônibus que tinha como destino o campo e pronto, passaríamos o resto do dia entretidos em histórias aprendidas no colegial. Eu havia me esquecido de um detalhe: não se pode acreditar em facilidades quando se trata de Nazismo.
Foram quase três horas para chegar ao destino cruel que nos aguardava (Tudo é muito confuso e complexo quando se fala em andar de metrô em Berlim ). Era uma construção branca, super moderna, com alguns vídeos exibindo documentários e fotos espalhadas para todos os lados. Um lugar aconchegante e receptivo. Fomos atendidos por uma mulher alta de cabelos escuros e um batom vermelho vida que estampava em seu sorriso algo tão subliminar quanto Monalisa, mas o que mais me chamou atenção naquela simples mulher era o seu olhar, o mesmo olhar que eu expressei pelos dias seguintes.
Saímos da bela construção e começamos a caminhar até o campo de concentração que ficava há alguns minutos dali, durante o percurso a câmera fotográfica era os meus olhos e como aficcionada por segunda guerra mundial que sou, não quis que nada escapasse das lentes . Essa busca pela foto perfeita durou não mais que 9 minutos até começarem a escorrer as primeiras lágrimas.





"O trabalho te fará livre", foi com essa frase escrita no portão principal que fomos recepcionados. Uma frase aparentemente inofensiva mas que trazia em cada letra uma irreal realidade.
Adentramos o campo calados, de mãos dadas e olhares vagos por todo aquele imenso espaço. Caminhamos poucos metros e fomos interrompidos pela alegria do Miguel que insistia em pular e correr por aquele local novo para seus pequenos grandes olhos. Eu me abaixei e sussurrei em seu ouvido palavras de amor, foi o bastante para que ele me abraçasse e entendesse, mesmo que sem entender, a dor que começava a brotar em meu peito.






Foram trinta minutos de caminhada e descobertas, trinta minutos que me desolava e definhava a cada passo dado, trinta minutos suficientes para que o coração do Ed desse um ultimato àquela agonia. É, ele não aguentou muito mais que isso, saiu de lá com o Miguel e voltaram somente no final da minha volta ao passado.
Sozinha estava eu, sem ninguém para compartilhar os sentimentos que invadiam meu peito, sem ninguém para me oferecer seu ombro para que eu pudesse chorar, sem ninguém para olhar dentro dos meus olhos e me abraçar, não existiam mais as palavras de conforto tão bem pronunciadas pelos lábios do meu companheiro. Eu parei e respirei fundo aquele ar cheio de terra empoeirada que o vento insistia em levantar e olhei ao meu redor, olhei para cada guarita que se instalava em cada canto daquele imenso local e orei, orei profundamente pelas almas que ali habitaram. Segui em frente e como em câmera lenta fui deixando o meu conhecimento adquirido pelas aulas do Professor Fernando e da Professora Viviane se fazerem presente em minha cabeça. Era impossível não voltar ao passado e me ver sentada na sala de aula com os olhos pregados na lousa e na fala dos meus mestres, eu imaginava as cenas, os choros, as faces, mas eu não sentia , eu não tocava, eu não experienciava tudo aquilo; com um barulho ensurdecedor fui jogada de novo ao meu triste presente e não mais pensamentos alegres tive naquele dia, o som que eu escutara era do documentário que retratava aquela barbárie. A mesma porta que deu passagem para o barulho ensurdecedor dava passagem a todos os meus monstros adormecidos até ali.








Cada passo dado uma revolta, uma raiva, uma tristeza , uma vontade de gritar algo preso há anos vindo de gargantas que não era a minha. Eu era tão cumplice daquela carnificina quanto os seguidores de Hitler, mas ao mesmo tempo me sentia tão prisioneira quanto os homens de uniforme listrado.
A dualidade existente naquele local era compartilhada pelos visitantes, os comentários vindos das rodas de turistas chegavam aos meus ouvidos e me confundiam. O que é ética? Qual o papel da política? Onde estavam realmente os que eram contrários aquele sistema? Quem era o oprimido e quem era o opressor? Eles interpretavam ou acreditavam em uma história inventada por eles? Como podemos hoje em dia sermos livres dessa comunicação que nos emburrece? A minha mente se esforçava ao máximo para responder todas aquelas perguntas que eram questionadas por diversas línguas e como uma folha em branco decidi escrever um novo final para aquela história.
Caminhei não mais sozinha, agora tinha a companhia dos muros, das casas, do chão, da história de um povo sofredor que tinha como objetivo a LIBERDADE.






Ah a liberdade, liberdade que nos dá o direito de ir e vir, que nos dá o direito de nos expressar, que nos dá o direito de sermos nós mesmos sem julgamentos e que nos dá o direito de sermos reconhecidos como indivíduo. Será?
As horas haviam passado e resolvi voltar ao portão principal, no caminho de volta encostei naquela muralha e toquei suavemente as minhas mãos, deixei lá meu amor, um amor pelo desconhecido que nem eu sabia que existia ( acho que eram os meus monstros que insistiam em sair), me virei de frente para a muralha e olhei para cima, ela era alta demais, robusta demais e impossível de ser escalada, nesse instante as mãozinhas do Miguel tocaram as minhas pernas e seu amor desprendeu as algemas que estavam presas em meus pés, consegui sair dali correndo com ele em busca de um futuro melhor, mais digno, com mais amor e menos opressão.






Antes de passarmos pela última vez o portão da liberdade, entramos em uma casa que abrigavam móveis e fotos originais da época. Haviam diversas celas e uma delas me chamou mais atenção. A cela escolhida por meu coração tinha apenas uma cama, cama essa que guardava histórias de seres como eu, como você, que tem desejos, ambições, sonhos. Ali diante daquela cama chorei baixinho para não chamar a atenção do Miguel que estava começando a compreender o mundo e suas mazelas, mas nossa ligação era maior que o choro. Ele olhou fundo nos meus olhos e disse: "Mamãe não chola, o moço mal não vai plende a gente, eu to aqui". Nesse instante eu entendi o que os homens listrados mais desejavam.










Caminhamos até o portão principal e antes de atravessá-lo em direção as minhas tão sonhadas férias pela Europa, olhei para trás e mais uma vez respirei fundo e em sinal de respeito me curvei, não a Hitler mas aquele povo que ainda traz consigo um passado que não passa.
Cruzei o portão pela última vez, levantei minha bandeira branca imaginária e soltei os meus monstros para que eles conheçam essa tal liberdade.



Me siga no instagram: @sarah.divah









 

7 comentários:

  1. Cada vez escrevendo melhor!!!! Me emocionei.... Parabens!!!!

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  2. O que dizer se tudo já foi dito....

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  3. Sarah, muito interessante essa experiência. Excelente

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  4. Fiquei emocionada, experiência fantástica.

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  5. Impressionante. Parabéns

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  6. Somos UM... Somos parte da Centelha Divina e tudo que aconteceu, acontece ou acontecerá, nos afeta... Às vezes, é preciso resgatar/relembrar alguns fatos para perceber onde o homem chega pela ambição do poder, ilusão e sobretudo falta de amor pelo próximo... Próximo ? Somos todos UM ! Grata por compartilhar suas percepções e sentimentos... O essencial é resgatar o humano... Quiçá a partir daqui possamos reavaliar nossas atitudes e os sentimentos que permeiam nossos dias... Namastê



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